Vocês viram?
Tema do Enem 2023:
“Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”
Acordar antes do sol nascer e deitar muito depois de ele se pôr, e ainda assim, sentir que o dia precisaria de mais 8 horas para dar conta de tudo a ser feito. Entre fraldas e livros, panelas e metas, vivemos o esgotamento dama rotina de ser mãe, trabalhadora, aprendiz, companheira, amiga, dona de casa, filha, etc, etc, etc. Nesta teia invisível do cuidado, muitas de nós somos o nó que mantém tudo coeso, mesmo quando estamos por um fio.
Em 48% dos lares as mulheres chefiam a família. E antes que se confunda com sucesso feminino, isso é efeito da ausência masculina mesmo. Seja porque ele se desobrigou do papel de pai, ou simplesmente não passa de um figurante na própria família. Há séculos recai sobre a mulher a carga física, emocional, mental e financeira de criar o ser que ela gerou em dupla Pra nossas avós, mães e até nós mesmas não surpreende que dedicamos, às atividades domésticas, 7 horas a mais por dia que os homens. O que poucas de nós sabe é que, segundo a OIT, para cada dólar que eles ganham, nós recebemos 51 centavos1). Isso desvaloriza a mulher, minando também a economia de cuidado que sustenta a sociedade.
Desde a idade moderna, a maternidade é instrumentalizada, pra gerar mão de obra sadia para indústria2. Nossas costas carregam o ciclo interminável de trabalho sem salário, sem férias, e “invisível”: o de “cuidar”. Hoje, sofremos burnout 3 materno chorando no chuveiro ao final do dia. O pseudo-heroísmo da jornada tripla, romantizado pela ideologia neoliberal da máxima performance, fracassou: mães vivem uma epidemia de esgotamento, enquanto a incidência de transtornos emocionais e cognitivos em crianças e adolescentes virou lugar comum.
Se sabemos que falta redes de apoio, por que não criá-la?! começemos com duas pesssoas, aumentantdo pra três, depois quatro…. Familiares, vizinhos, comunidade precisam tanto quanto a gente de revesamento de carona até a escola das crianças; compras de supermercado no atacado para economizar dinheiro e tempo; troca de favores e de utensílios. Enquanto não elegemos governantes com projetos para creche, escola integral, jornada de trabalho flexível e igualdade salarial, tomemos nas mãos nosso poder como sociedade civil.
Mudar é urgente tanto para nossa sobrevivência, como para a saúde de nossos filhos, parceiros, familiares, vizinhos e colegas de trabalho. Que a próxima geração possa colher os frutos de uma sociedade que soube cuidar de quem cuida. Que mães se despeçam da função de máquinas-de-cuidado, para se permitirem ter e realizar seus próprios sonhos, dentro ou fora de casa. É tempo de transformar o invisível em coluna mestra e valorizada da sociedade.
Certamente 3,9 milhões de jovens, a um só tempo, refletindo sobre o tema neste domingo de provas, pode operar micro mudanças em número suficiente para alterar a macro estrutura, mesmo que isso dure décadas. Mas a mudança já está em curso.