
Burnout materno é café requentado
Ana e eu, achamos até graça da balela de que escolhemos ser supermulheres – profissional, mãe, companheira e estudante , tudo isso enquanto ganhamos menos e trabalhamos bem mais que os homens! Esse despautério nunca foi escolha nossa, mas um “mandamento” da revolução industrial, que redefiniu o amor materno como a melhor ferramenta de controle social. O burnout materno, é portanto uma doença sistêmica, ao qual acrescentamos agora um punhado de ironia e firmeza, para tornar este clichê menos indigesto…
Conversamos quase diariamente a respeito da sobrecarga física mental e emocional de não ter descanso nas funções que acumulamos como mulher. E ainda tendo que ouvir aquele samba de uma nota só que diz: “Ah, mas foram vocês mesmas que escolheram trabalhar igual aos homens. Agora aguenta!”
Jura? Então num belo dia do século XVIII a mulher acordou e pensou: “Que tédio… acho que vou reivindicar o privilégio de ser uma multitarefa ambulante – quero acumular com orgulho as funções de dona de casa, esposa, mãe, trabalhadora e acadêmica. Mas só quero se for pra receber menos e trabalhar bem mais que os homens! Sem folga noturna, feriado ou final de semana. Quero que me chamem de guerreira por nunca dormir 8 horas por noite e que me critiquem sem dó se eu falhar no calendário de vacinas, visitação ao dentista, pediatra, psicólogo, ginecologista, só porque estava ocupada gerenciando a vida escolar, social e esportiva dos rebentos. Meu sonho é que romantizem minha angústia em ter de dar conta de tudo isso, enquanto cozinho, lavo, passo, arrumo e decoro.”

Não, pera…. Essa “encomenda” não é nossa! Na verdade foi um “plus” da revolução industrial exclusivo para nós trabalhadoras-consumidoras. Antes disso (nos séculos XVI ao XVIII), as mulheres, na aristocracia, geravam filhos mas raramente participavam da criação deles. Isso era delegado a amas-de-leite ou outras famílias. Não havia contato afetivo entre mãe e filho. Daí surgiu o sistema de produção em massa, com máquinas que exigiam operadores (inclusive crianças) quase 24h por dia. Logo, a alta mortalidade infantil típica da época passou a ameaçar o suprimento de mão-de-obra para as fábricas e o Estado correu para transformar a percepção do “amor materno”.
Impulsionado pela literatura, discursos da psicologia, psiquiatria e até cinema, o ideal de amor materno natural, incondicional e universal pegou. Mas como pode ser natural algo que surgiu milênios depois da própria humanidade? “Instinto de mãe”, esse que retrata as mulheres como criaturas sobre-humanas capazes de heroísmos impossíveis aos homens não é “Dom feminino” muito menos um elogio à mulher. É antes uma ferramenta de controle social para relegar a ela o dever de cuidar de todos enquanto o homem “faz a roda da economia girar.”
Um psicólogo alemão utilizou o termo burnout pela primeira vez na década de 1970. Nesse conceito clássico, associado ao ambiente de trabalho, continha 3 elementos: exaustão emocional, e a sensação de impotência e falta de realização pessoal. Claro, trabalho excessivo, e falta de apoio ou reconhecimento são ultrajantes pra qualquer ser humano. O “plus” da dona de casa é que seu burnout nem remunerado é…
Eu (Rosa) meu tempo de viúva-de-marido-vivo tive o livramento de (man)ter meu emprego e por isso, custear lazer com as crianças, poder ir e vi quando precisasse. Mas o malabarismo entre casa, filhos, 8h de jornada no banco, faculdade à noite e as desfeitas do Senhor feudal eram garantidas todo final de noite e fins de semana. Ana já não teve a mesma sorte. Depois de cair no conto do na-volta-eu-compro, perdeu o próprio negócio e apartamento vendidos em João Pessoa, para a mudança a Recife. Isso agravou e muito o martírio em seu “cativeiro” (mas isso é história pra outro post…).
Viver em solidão afetiva, sensação de insuficiência e permanente disputa (Ego do macho X Dignidade própria) é o arroz e feijão de cada dia. Esse mal é sistêmico. Validado pela cultura, reforçado pela economia e negligenciado pela política. No capitalismo total a paranóia de crescer não permite pausa. Sobrou pras mães a “missão” de preparar as próximas gerações de explorados, digo, sucesso profissionais bem sucedidos…! É mole?!
O burnout materno exige de nós TODAS menos blablablá e mais Levanta-e-Faz. Por isso eu e Ana decidimos contar aqui as idéias, histórias e aprendizados nossos. A violência de gênero se alimenta da reclusão doméstica, falta de autonomia econômica feminina e, sobretudo, união!… ou ajudamos umas às outras, exigindo o mesmo de empresas, escolas e governos, ou condenamos o mundo e nós mesmas a nunca superar isso.


