Sobrevivemos ao Ex para Contar: Nossas Sagas de Violência Patrimonial

A (des)vantagem de termos começado um projeto sobre autonomia feminina enquanto uma de nós ainda não se libertou da tirania, é que nossa pauta às vezes é decidida pelas circunstâncias, não pelo nosso plano. Esta semana, por exemplo, decidimos apresentar nossa advogada, com direito a entrevista. Aí vem os contratempos do cotidiano: filho adoece, mãe cuida, criança não sara, mãe procura um médico e mãe descobre um problema sério…

No início da semana, Ana buscou assistência médica e descobriu, que as crianças haviam sido excluídas do plano de saúde apenas três meses após serem incluídas. Durante 13 anos, plano de saúde foi um dos vários instrumento de controle usados contra mim. Hoje, se eu, Cadu ou Sofia adoecermos, teremos que recorrer à UPA ou o SUS.

No momento do choque, não tem bravura, nem resiliência que baste… Chorei de angústia, revolta e desesperança:  Quando finalmente vai acabar esse mando-e-desmando?!” , se perguntam Ana e Rosa em conversa emocionada no aplicativo de mensagens.

A violência patrimonial que Rosa enfrentou

  • (Ele) jamais conversava sobre finanças da família, ficava com o controle exclusivo das contas e gastos da casa.
  • Só ouvia (dele) “tô quebrado”, sem dinheiro pra nada. Mas pra hotéis restaurantes e vestuário caros não faltava recurso. Para a feira de supermercado a gente tinha quase que implorar. Sandra, que cozinhava e mantinha nossa casa e roupas limpas, tinha que se virar nos 30 com as sobras de produto e ingredientes nos armários.
  • Volta e meia o ricão trocava de carro, sendo o novo 10 vezes mais caro do que o anterior.
  • Atrasava pagamento de aluguel, condomínio e da conta de energia. Mas como vivia viajando, sobrava pra mim receber e tentar explicar os atrasos aos credores. Uma vez, cheguei em casa numa sexta feira de volta do trabalho e encontrei Sandra apavorada sem saber o que fazer com as crianças quando anoitecesse. Nossa energia tinha acabado de ser cortada por falta de pagamento. Pra não passar o final de semana como numa caverna, sem luz, geladeira e no calor, fugimos pra casa da minha mãe.

Ana amargou abusos ainda piores

  • Fui impedida de ter fonte de renda fora e dentro de casa.
  • Cada gasto meu era controlado através do cartão de crédito vinculado à empresa, e nem meu nome tinha. Num belo dia ele de mal humor corta o cartão na tesoura, pra eu ver.
  • Em 2016 me tranca pra fora de casa, com as crianças dentro.
  • Em 2017 quebra meu celular jogando no chão.
  • Quando decidi me separar em 2017, fui ameaçada de perder tudo, a começar pelo meu plano de saúde que incluía Sofia. Volto. Mesmo assim, pouco tempo depois, o cancelamento é feito por ele.
  • Nesses anos de penúria, o dinheiro a que tive acesso foi o que consegui faturar vendendo no condomínio mesmo, produtos da empresa dele, que eu precisava pagar após receber.
  • Com o que sobrava, só dava pra comprar roupa para as crianças. Pra mim, Calça jeans e camiseta viraram farda pra vida, de domingo a domingo.
  • No começo de 2023 quando ele foi obrigado a sair de casa, pela medida protetiva que consegui, não fosse a doação de parentes e pessoas amigas, teríamos passado fome. Ele pouco ou nada fornecia para nosso mantimento. Precisei economizar cada centavo.
  • Desde 2018, quando voltei a ter plano de saúde, era eu como titular e meus dois filhos, dependentes. Como ele foi obrigado a arcar com a mensalidade incluído na pensão das crianças, sem minha autorização ou conhecimento, removeu as crianças do meu plano para incluí-las no seu. Sem saber disso, negociei uma mensalidade menor com minha seguradora para nós três, mas não consegui pagar porque a pensão foi desfalcada em R$ 2.500. A alegação dele? -Agora o plano das crianças, está sob minha responsabilidade. Sem recursos para manter o acordo ou pagar um plano individual, meu plano acumulou débitos e cancelamento. Lágrimas depois, aceitei que pelo menos as crianças estavam cobertas.
  • Quando finalmente foi proibido de descontar o valor da pensão e, vendo que o tiro saiu pela culatra, ele não pensou duas vezes: excluiu as crianças da seguradora dele, de novo, sem aviso, muito menos acordo prévio. Eu descobri isso ao tentar marcar consulta. O resumo da ópera até agora é esse: por não conseguir pagar a dívida em aberto, não posso fazer novo plano de saúde pra mim. Cadu e Sofia não são admitidos sozinhos, só podem ser assegurados como dependentes meus.

Essa é a sordidez com que tudo e todos se tornam joguete na mão de um narcisista pela via financeira. Reiterados golpes de múltiplas violências: patrimonial, emocional e psicológica, situação da qual é quase impossível escapar sozinha. Por isso, o apelo que fazemos aqui no NaturalcoNNected é quando perceberem uma mulher presa a um relacionamento abusivo de qualquer natureza, ao invés de perguntar “Por que ela ainda continua com ele?”, pergunte: “No que posso ajudar?” Ou melhor ainda, ofereça ajuda!  

One Comment

  • Eber Urzeda dos Santos

    Embora o texto possa causar revolta e repulsa, ele é extremamente importante para a conscientização. Ao expor a realidade dos abusos nos relacionamentos, o relato nos obriga a confrontar verdades incômodas que muitas vezes preferimos ignorar. Essa indignação é necessária, pois apenas através dela podemos despertar para a gravidade da situação e mobilizar esforços para mudanças significativas. Por isso, para mim, um homem que cresceu meio a violência doméstica, o blog desempenha um papel fundamental para que mulheres se sintam amparadas e encontrem a força necessária para buscar seus direitos.
    É crucial que toda a sociedade aprenda a reconhecer e lidar com esse tipo de abuso, apoiando as vítimas e desmistificando preconceitos. A mensagem central do texto é essencial: ao invés de questionar por que uma mulher ainda está em um relacionamento abusivo, devemos nos perguntar “Como posso ajudar?”. Este blog ensina que a empatia e a ação são as chaves para combater a violência doméstica e garantir que ninguém enfrente essa luta sozinha.
    Obrigado por compartilhar!
    Eber.

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