Virada de chave 🗝 🔓 (parte 2)
28 de Dezembro 2022
Às 14 :40 da tarde do dia 28/12/2022 recebi a mensagem: “Boa tarde, Regi ligou agora e disse que Nana perdeu o bebê que estava esperando. Tá internada agora na UTI.” Respondi: -Quando você tiver notícias me liga. – Até então eu achava que tudo ia ficar bem com minha irmã. Às 14 :45 meu irmão retorna: “Ana infelizmente Nana não resistiu. Avisa a mamãe.”
Nossa mãe vive em um sítio onde não chega energia elétrica. Logo, não tem telefone, nem internet. Liguei para meu irmão Davi, pois sabia que naquele horário ele estava no vilarejo. Depois de quase 2 horas do falecimento da minha irmã, consegui falar com minha mãe. Disse pra ela se sentir livre para chorar, botar pra fora tudo que tivesse sentindo e não tivesse vergonha. Detalhe, meu irmão ainda me incumbiu de saber dela como seria decidido o sepultamento.
Cumprida a missão daqui de Recife, já se aproximava das 5 da tarde, hora do banho de Cadu. Ao acabar, sento na cozinha por um momento e chega “o patrão”. Toma água e joga o copo na pia. Sandra do meu lado viu o azedume com que ele me olhou, sabendo que minha irmã tinha morrido. A única coisa que foi capaz de pronunciar a respeito, ainda na empresa ao ser comunicado pela secretária, foi que não gostava mesmo dela. Em casa nem uma palavra. Apenas se trocou e saiu pra correr.
Pensei comigo – Pra que viver com um ser tão sem humanidade? Não mereço ser tratada todo o dia como um lixo. Tinha ouvido tantas vezes das pessoas pra me separar dele. E tantas outra vezes ele ignorou meus pedidos pra fazermos isso sem brigas e cada um seguir sua vida numa boa… Nós dois sabíamos que eu não teria meios financeiros, nem jurídicos de conseguir uma separação litigiosa. Então ele deitava e rolava. Me agrediu no dia 30 de outubro 22, dia do segundo turno das eleições, apenas porque pediu pra Sofia descer na padaria e comprar pão. Foi ao banheiro e ao voltar pra cozinha, revoltou-se ao ver que ela ainda não tinha descido. Ela estava acabando de tomar o café da manhã. Tentei argumentar que ela precisava forrar o estômago antes de tomar os remédios contra sinusite, mas nem deu tempo acabar de falar. Ele veio pra cima de mim com os “elogios” de sempre: – Sua puta! sua rapariga! – Puxou meu cabelo e jogou a minha cabeça contra a parede da cozinha na frente de Sofia.
Ainda tive que suportar o cinismo dele de me oferecer o próprio celular (bloqueado) pra ligar pra polícia. O meu ele já tinha estourado no chão em outro ataque de fúria. Taí o requinte de crueldade a que ele tinha chegado. Disse pra mim mesma: -Preciso descobrir um jeito de denunciar sem sofrer junto com as crianças, retaliação ainda pior ao voltar pra casa.
Voltando para o dia 28 , o azedo retornou da corrida sem trocar uma palavra comigo. Parecia um bicho. Chamou Sandra e Sofia, entregou os euros , aliás num valor bem inferior ao que tinha prometido. Mesmo assim, respirei aliviada. – O resultado que esperava com o meu silenciamento finalmente vingou. Mostrei no grupo de WhatsApp (criado pra compartilhar os preparativos da viagem) uma foto das malas prontas. As reações claro, muito animadas, afinal ninguém sabia de nada do outro lado do atlântico. Minhas forças mental e física se dividiam entre preparar a partida de Sofia e Sandra pra Alemanha, consolar o luto da minha mãe à distancia e cuidar de Cadu. Sequer tinha tido o direito de chorar a perda da minha irmã.
Sofia e Sandra estavam super ansiosas para a hora do vôo. Confesso que se pudesse, eu também embarcava pra nunca mais voltar. Sofia tomou banho, Arrumei ela, aprontei Cadu. Sandra também se arrumou e fomos para o aeroporto com o Sr Mal-Humor. Lembro que ninguém queria sentar no banco da frente com ele. Sandra acabou aceitando. Lá chegando, fomos fazer o check in: Eu, Sandra e Sofia. Ele ficou com Cadu observando de longe o tempo todo o que Sandra e eu conversávamos. Quando terminamos ele soltou essa pérola: “Sandra, tua mala foi mais cara do que o que tá dentro dela.” Quando ele se sentia pequeno, tratava logo de humilhar alguém pra se achar pelo menos acima dessa pessoa.
Ainda no aeroporto, liguei pro meu irmão de João Pessoa pra saber do sepultamento e como estava nossa mãe. A violência eu tinha que sublimar. Aquele era pra ser um dia muito feliz, mas o infeliz acabou destruindo isso também. Resultado: no album de boas memórias de Sofia, esta é uma página em branco… Sandra me chamou num canto e disse estar preocupada em me deixar “sozinha” com ele. Respondi que não se preocupasse, porque ele não iria me matar sabendo que depois disso seria obrigado a cuidar de Cadu. Minha intensão foi acalmar Sandra, mas por dentro estava com pânico dele, pavor mesmo. Na volta pra casa ele entrou por um caminho que não costumava ir e eu pensei: agora ele vai achar um lugar Ermo pra me dar um tiro. E olha que alí eu ainda nem sabia que ele tinha uma pistola 8 mm. Descobri bem depois.
Ao chegarmos em casa , vi mensagem de Sandra ainda preocupada. Menti que estava tudo bem. Mas hoje me pergunto como consegui bloquear esse turbilhão emotional dos dias 27, 28 e 29. Talvez porque a rotina continuava lá a ser cumprida: dar banho em Cadu, mamadeira e colocar pra dormir. Só então pude entrar de baixo do chuveiro e ir direto pra cama. O Azedo já dormia “o sono dos justos” no quarto de hóspedes, pra onde tinha se mudado desde agosto.
Somente ali, sozinha e na escuridão pude desabar no choro. Longe da correria e em silêncio pude olhar pra mim e pra tudo que tinha me acontecido. Foi agonizante revisar o sofrimento dos ultimos anos, coroados por despedida, espancamento e morte. Chorei quase a noite inteira. A solidão miserável vivida nessa relação prá lá de abusiva me trouxe a urgente certeza: -Se eu não tomar uma atitude, a próxima a entrar no caixão serei eu! ⚰