Virada de Chave​​🗝️​🔓 (parte 3)

foto: arquivo pessoal de Ana

Dia 29 de Dezembro de 2022

Amanheceu. Depois de uma noite interminável, acordando várias vezes assombrada, levantei com os pensamentos em turbilhão: recordações da minha irmã, fragmentos da nossa infância, somados aos dias em que ela foi meu farol em João Pessoa, cuidando de Sofia e de mim. Ela era dona de um sorriso que iluminava tudo ao redor; encontrava alegria até nas pequenas coisas.

Misturadas a isso, as memórias dos espancamentos brutais que sofri reprisando sem pausa … Aquele ser frio e calculista nunca me dirigiu um olhar de ternura. Se desculpar pelo que fez? Nem pensar! Naquela cabeça maléfica, eu não passava de uma ferramenta à disposição e gratuita. Portanto sem valor, nem direito a respeito.

Quando o “patrão” despertou, rumou logo pro banheiro, onde se trancou pra não ser importunado por Cadu atrás dele. Lá dentro, ao som de música alta, dedicou-se por uma hora a tingir os cabelos (ele tinha planos…)  Saiu se achando um lord, vestido nas roupas impecavelmente lavadas e passadas pela serva aqui. Partiu sem pronunciar uma palavra, como de costume.

Antes de começar a maratona de afazeres do dia, conversei com Alan, meu irmão em João Pessoa. Aguardávamos ligação da funerária para o último adeus à minha irmã antes do corpo dela ser levado para sua cidade natal, Vila Munguba.

Mandei mensagem para Luana, outra irmã, pra saber de nossa mãe, nessa devastação. Implorei para que fizesse ela comer algo, para ter forças de enfrentar a chegada do caixão. Em casa com Cadu, senti um alívio momentâneo, longe da presença daquele monstro. Tentei tomar café, mas meu descia alimento. Ao terminar o velório, Alan e Luana seguiram com o cortejo fúnebre de Nana. Eu acompanhava tudo pelo celular, com Cadu ao meu lado. Não consegui comer nada e não desgrudei do telefone.

túmulo da minha irmã




Túmulo de Nana
Luto minha mãe
minha mãe chorando o luto da minha irmã

Essa sequência de tragédias serviu pra me mostrar que eu sempre estive só… Faltava apenas oficializar essa situação.

Por hora, foquei em organizar o caos pela casa. Mães como eu, talvez entendam, ter mente e mãos ocupadas acalma, ou pelo menos abafa os gritos de urgência que soam dentro da gente. Em silêncio, sentia como se estivesse me observando de fora, e o que via era uma pessoa descohecida.

Chega notícia de Sandra e Sofia: o vôo foi cancelado e elas aguardavam em Portugal pela próxima conexão. Em João Pessoa, o carro da funerária se perdeu… Meu Deus, um problema atrás do outro! Aquele foi pra mim o dia o mais sombrio. Me consolar, lembrando de pelo menos ainda estar viva…

Às 19:40, Rosa avisa que Sofia e Sandra aterrisaram na Alemanha. Só então silencio o telefone pra dar banho em Cadu. No fim de tudo me permito chorar… Nesta mesma noite, o gostosão não volta para casa. E assim fecha a tríade de horrores (27, 28 e 29 de dezembro): amargando luto, violência e solidão. Nesse dia, decidi não ser mais escrava…Hora dequebrar minhas correntes, me libertar.

chega de algemas, libertação

Quebrando os grilhões – Desenho de “Jasmin”

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